Começarei com o mais difícil de propósito, porque é inútil convencê-los de que existe um manual de instruções para sair invicto dessa. Por "dessa", quero dizer a crise econômica que estamos vivenciando por causa do Covid-19. Seria irresponsável da minha parte, especialmente sabendo que a verdade é exatamente o oposto. Muito poucos sairão ilesos.
Estamos em um momento de crise muito difícil que nunca enfrentamos como sociedade global. Embora tenhamos esperado uma "correção econômica" por anos, a magnitude e a gravidade para a maioria, nos pegou desprevenidos. As consequências a curto prazo são claras: todos em casa pararam o comércio físico e forçaram a transformação digital. As consequências de médio e longo prazo são muito mais difíceis de prever...
No contexto da saúde, a máxima é clara: precisamos salvar quantas vidas pudermos. Em questões econômicas, a lição de meu pai, se for aplicada nessa situação é de que você deve estar preparado para o pior, mas esperando o melhor.
Um dos valores da Truora e um dos maiores preditores de sucesso na vida é a resiliência. O melhor estudo é o livro de Angela Duckworth, “Grit” (leia-o se você ainda não conhece). Em suma, o sucesso está em se levantar mais vezes do que quando você cai.
Com o tempo e a experiência, descobri que os momentos difíceis são passageiros e que cada pessoa os vive de uma maneira muito diferente. No caso dos líderes à minha volta, empresários e fundadores conhecidos, aqueles que se saem melhor em crises parecem ter abordagens semelhantes. Eu quase ouso chamá-las de fórmulas.
Das muitas conversas recentes que tive, tirei 10 lições que quero compartilhar com você hoje, com o desejo de lhe dar uma perspectiva sobre essa incerteza. Todos devemos liderar: empresas, comunidades, famílias, iniciativas de ajuda e governo.
A tendência mais clara em tempos de crise é pensar na continuidade dos negócios acima das pessoas. É normal que, devido ao impacto econômico, desejemos cortar despesas para garantir a sobrevivência de uma empresa.
Tomar uma decisão dessas não é preto no branco. Cortar pessoas tem muitas consequências. A motivação do time é perdida, a cultura organizacional e a produtividade dos funcionários são afetadas, entre outras.
O remédio é muito diferente, embora, a princípio, não tenha sentido econômico. Agir com solidariedade e empatia não apenas faz com que seus funcionários se sintam ouvidos, mas também ajuda a gerar dois valores que, são fundamentais para o crescimento de qualquer organização: resiliência e gratidão.
Como escrevi em nosso artigo sobre cultura, o primeiro torna momentos incertos e difíceis menos desconfortáveis. O segundo, nos faz valorizar mais os momentos de sucesso e felicidade.
Superar crises com seus funcionários gera laços de lealdade e compromisso que dificilmente podem ser ensinados com palestras e treinamentos. Os funcionários mais gratos são mais engajados e produtivos, e a produtividade, em termos muito amplos, ajuda na continuidade dos negócios. Lembre-se, não se trata de fazê-lo apenas para sair de problemas, é sobre fazê-lo porque é a coisa certa, porque temos uma grande responsabilidade com a sociedade e precisamos cuidar de nossos funcionários. Isto é especialmente verdade em tempos de coronavírus.
É normal que muitas tarefas surjam devido a situações como a do Covid-19, que enfrentamos hoje. Mais normal ainda é que essas tarefas não tenham nada a ver com a natureza dos negócios, sejam completamente novas e não saibamos em que ordem atacá-las.
Aqui, várias coisas são importantes. A primeira é que você, como líder, não se sobrecarregue de responsabilidades. Lembre-se de que o bambu que dobra é mais forte que o carvalho que resiste. Você é o catalisador para que as coisas aconteçam, não o super-herói que fará com que todos os problemas desapareçam.
Para isso, existe uma matriz muito simples que funciona. Trata-se de organizar as tarefas de acordo com três dimensões. A primeira é a importância, medida em termos do impacto que eles podem ter na organização. A segunda dimensão é a urgência, que é medida com base na janela de tempo em que a tarefa deve ser executada. A terceira e última são a disponibilidade e a quantidade de recursos para concluir esta tarefa. A partir deste último ponto, as tarefas são movidas de um quadrante para outro, como no diagrama abaixo:
Em tempos de crise, precisamos fazer uma introspecção muito profunda. Todo mundo - e quando digo todos mundo é literalmente todo mundo - tem pontos cegos quando se trata de trabalhar e tomar decisões. Reconhecê-los a tempo ajuda-nos a cercar-nos de pessoas com as forças certas para enfrentar situações complexas.
Por exemplo, se eu tendo a tomar decisões impulsivas, é importante ter uma equipe com informações suficientes para que decisões rápidas sejam bem informadas e, dessa forma, minimizar o impacto negativo que uma decisão errada pode gerar.
No artigo sobre como formar uma equipe imparável, falei sobre a importância de se cercar de pessoas com tolerância a riscos distintos.
Por que? É muito simples. Às vezes você deve correr riscos para vencer e outras vezes deve ser conservador para não perder. Pessoas com alta tolerância ao risco tendem a subestimar as consequências negativas e superestimar as positivas. O oposto é verdadeiro para pessoas intolerantes ao risco. Quando uma equipe é mista, existem pessoas com motivos a favor e contra iniciativas de alto impacto, mas com poucas chances de sucesso. Ter uma equipe que avalie todos esses motivos é um atalho muito eficiente para tomar melhores decisões, ainda mais quando o tempo e as informações são escassos.
Em tempos de crise, decisões rápidas que geram resultados positivos valem ouro. É por isso que você deve se mover dentro das áreas marcadas pela caixa preta e evitar os tons de laranja escuro e vermelho, como mostra a figura abaixo:
Esta lição segue as duas lições anteriores e é fundamental em tempos de incerteza. Como eu disse, decisões rápidas valem ouro, porque em tempos de crise não há muito tempo para pensar.
Nesta conjuntura, por conta do coronavírus, é especialmente importante evitar a paralisia para análises e o gastar do tempo desnecessariamente tomando decisões "perfeitas". Não haverá decisões perfeitas, mas haverá decisões oportunas que podem mudar o curso de nossos negócios.
Acredito que decisões importantes sobre salário, equipe e cliente não devem levar mais que uma semana ou duas. À medida que o vírus se espalha e a economia se contrai, os segundos se tornam dias de impacto em nossas atividades econômicas. Devemos confiar em nossas equipes para tomar essas decisões.
O gerenciamento de crises não é um trabalho para um único líder. De fato, é crucial que diluam um pouco sua carga de trabalho para lidar com os problemas mais complexos e designem parte de suas responsabilidades normais a outros membros da organização.
Isso, se feito intencionalmente e com responsabilidade, resulta em um cenário muito positivo. Por um lado, permite que os líderes se concentrem nas tarefas de maior impacto e urgência, eliminando parte do estresse de exercer, além disso, outras funções principais.
Por outro lado, algo muito interessante acontece. Atribuir maiores responsabilidades a outros membros da equipe, provoca um tipo de treinamento "expresso", em que os funcionários atingem níveis sem precedentes de crescimento, aumentam sua capacidade de pensamento crítico e se tornam mais recursivos. Algo semelhante acontece quando os soldados são chamados para a linha de frente. Diante de tal situação, eles não têm escolha a não ser usar todos os recursos e habilidades para defender seu esquadrão em batalha.
Antes de aprofundarmos nesta lição, vale esclarecer que, mesmo em tempos de crise, temos mais controle do que pensamos. As situações podem ser externas e não dependerem de nós, mas como agimos diante delas e que atitude tomamos está 100% sob nosso controle.
Os líderes que melhor lidam com situações difíceis têm isso em comum: eles mostram uma atitude corajosa, controlada e sensata em relação à incerteza. Isso é muito importante por duas razões. A primeira, porque nossos colaboradores interpretam nossas reações para fazer uma análise da crise e, dessa forma, formar uma opinião sobre a gravidade da situação.
A segunda razão é que o líder é um espelho para seus colaboradores. Medo, estresse e tensão são tão contagiosos quanto o Covid-19. Se demonstrarmos calma, compostura e controle, isso se refletirá na atitude de nossos funcionários ou impactará diretamente sua atitude em relação ao trabalho.
Para evitar que o medo e o estresse se espalhem exponencialmente, a comunicação é essencial. Mas não basta apenas manter conversas permanentes com a equipe. Não vale muita diplomacia ou dizer o que achamos que nossos funcionários querem ouvir. Diplomacia ou falta de comunicação direta em situações tão complexas, só tem resultados negativos. Eles geram angústia, ansiedade, ceticismo e possivelmente perda de credibilidade e capacidade de liderar o futuro.
Em tempos de crise, especialmente em tempos de coronavírus, a comunicação deve ser quase em tempo real, ser completamente transparente e assertiva. O que deu errado é explicado. O que correu bem é comemorado. O que resta a ser discutido é observado. Mas nada deve estar escondido.
Aqui, o gerenciamento de expectativas é muito, muito delicado. Como diz Trevor Noah, apresentador do The Daily Show, o piloto do avião que avisa sobre a turbulência durante um voo é preferível àquele que esconde essa informação. A lógica para fazer isso é muito simples. Se as expectativas são alcançadas desde o início, nos preparamos a tempo para o desconfortável. Que o que nos pegue de surpresa seja bom, senhores.
"A recursão é mais importante que os recursos", disseram recentemente em um webinar de Harvard sobre liderança. E eu não posso concordar mais. Eu vi essa expressão em várias situações e nesta crise para o Covid-19, eu a vi ainda mais. As empresas com maior probabilidade de sucesso são aquelas que viram o copo meio cheio e descobriram oportunidades de negócios em meio ao caos.
Para explorar e materializar essas oportunidades, os líderes desempenham um papel vital. Eles devem promover a inovação, a adaptabilidade e, por que não, também as idéias mais loucas, contra-intuitivas e fora da caixa que possam aparecer.
Não podemos subestimar a capacidade de nos reinventar agora, pois não só tem o potencial de nos ajudar a suportar e sobreviver à crise, mas também pode ter um impacto muito positivo sobre os que estão ao nosso redor, permitindo proteger os empregos que geramos e manter a posição que ocupamos na cadeia de valor à qual pertencemos.
Vários exemplos disso chamaram minha atenção. A Anheuser-Busch Inbev (Bavaria na Colômbia e Ambev no Brasil), por exemplo, está produzindo desinfetantes com o álcool com o qual produzem cerveja. Burberry, Zara, entre outros, estão usando suas máquinas de roupas para fazer máscaras faciais e outros itens de biossegurança. Vi academias alugando seus equipamentos para se exercitar e levá-los para as casas de seus usuários, restaurantes reinventando seus pratos para lavá-los em casa e muitas outras empresas reembalando seus serviços para atender a novas necessidades à distância.
Estou ciente de que alguns desses casos são decisões estratégicas que afetam a imagem da marca e não diretamente a renda de uma organização, mas quer saber de uma coisa? É disso que se trata a lição numero 1: priorizar as pessoas. Por isso respeito e admiro todas essas empresas que tomaram decisões difíceis. Porque o forte impacto social que eles terão é inestimável.
Como você pode imaginar, deixei esta lição para o fim, porque só quero deixar uma mensagem de calma e otimismo. Nada do que está acontecendo é culpa nossa, e não devemos levar isso para o lado pessoal. Somos tão competentes quanto éramos ontem e de maneira alguma podemos desistir.
Algo crucial para nossa liderança superar essa situação e sair vitorioso dessa difícil batalha é mudar nossa maneira de pensar. No livro "Vender é humano", eles falam sobre um conceito de venda que eu já vi grandes líderes usarem em tempos difíceis. É sobre a "flutuabilidade", ou a nossa capacidade de permanecer à tona. “Buoyancy” é nome em inglês e também é usado para descrever pessoas otimistas. Uma pessoa buoyancy, é feliz, animada e tem uma atitude positiva.
Este conceito tem três componentes:
É simplesmente uma questão de substituir declarações como "vamos fazer isso" por perguntas como "como vamos fazer isso?". Dessa maneira, ativamos ações em nossos cérebros para atingir nossos objetivos.
A proporção de pensamentos positivos versus negativos que devemos lidar para manter uma atitude positiva é de 3 para 1. Ou seja, para cada pensamento negativo, devemos ter três pensamentos positivos.
Esta é talvez a mais relevante e um exercício que lhe peço que faça com frequência. Trata-se de evitar a linguagem permanente ("sempre"), generalizada ("tudo") e pessoal ("eu") por meio de linguagem temporária ("às vezes"), específica ("nesta situação específica") e externa ("devido a circunstâncias externas ”). Por exemplo, em vez de pensar ou dizer "isso sempre acontece comigo", deveríamos dizer "essa situação é temporária e ocorreu devido a algo fora do meu controle".
Esses pequenos exercícios estimulam a maneira como pensamos e reagimos a situações claramente fora do nosso controle.
Traduccion: Letícia Marcondes